terça-feira, 12 de maio de 2009

O espírito da música popular brasileira

Marinês Mendes
Pólo de Osasco-SP

Com licença, leitor, meditemos sobre a Música Popular Brasileira que, a partir da década de 60 encontrou seu lugar na sociedade enquanto objeto de estudo estético. Nada de dizer MPB é um rótulo. MPB é uma concepção que envolve três participantes: autor, obra e público e dialoga o tempo todo com a tradição e com o futuro. É mediada pela indústria fonográfica, pelos meios de comunicação de massa e agora, pelas novas tecnologias de divulgação (MP3, My Space, Ipods, MIDIs) e se constituem em fatores que se engajam na circulação da MPB hoje, dado o tamanho e a complexidade desse país de nome Brasil.

Isto posto, meditemos sobre as diversas matrizes deste gênero que nos identifica no mundo: o batuque, os ranchos de onde saíram o maracatu e o samba de avenida, o samba de roda do recôncavo, as canções praieiras e de trabalho, as canções de tradição oral e das culturas indígenas e a música de salão que confluem para essa sonoridade permeada de diálogos e provocações com as informações musicais vindas de todo os cantos do mundo, um belo exemplo, a Bossa Nova, em diálogo com a América.

Outro exemplo? O encontro do barroco mineiro com o rock, em “Clube da Esquina”, As releituras dos clássicos de Noel Rosa, as novas gerações de cantoras buscando na tradição material para seu diálogo com o mundo, atualizado por meio dos samplers, de interpretações mais casuais, em tom de conversa. Ou experimentações à Chico Science ou o aprofundamento do canto-falado nas pesquisas dos semioticistas da canção. Podemos meditar também sobre a influência dos contemporâneos sobre seus contemporâneos, por exemplo, de Lenine sobre novas gerações de compositores, de Gal sobre Marisa Monte e de Marisa Monte sobre a nova geração de cantoras.

Meditemos na multiplicidade de temas compostos sob os mais diversos recursos de linguagem, de personagens do cenário brasileiro e motivos melódicos, rítmicos que compõem nossa paisagem musical. Não é à toa que “se você tem uma idéia incrível é melhor fazer uma canção, está provado que só é possível filosofar em alemão1”, ou seja a MPB ocupa um lugar ímpar na sociedade brasileira e esse lugar é ativo.

A MPB comunica o que deve ser feito (“como é que faz pra lavar a roupa? vai na fonte, vai na fonte2”), apresenta suas condições (“eu só boto bebop no meu samba quando Tio Sam tocar o tamborim3”), profetiza (“vai resplandecer, uma chuva de prata do céu vai descer4”), manda avisar (“avisa lá que eu vou chegar mais tarde, vou- me juntar ao Olodum que é da alegria5), ensina (“eu vou mostrar pra vocês como se dança o baião”6), ironiza (“eu fui pra Limoeiro e encontrei o Paul Simon lá, tentando se proclamar gerente do mafuá7”), expressa o que vêm da periferia (“Minha vida não tem tanto valor quanto seu celular, seu computador8”), noticia (“Tá lá o corpo estendido no chão9”), namora (“Tudo de bom que você me fizer, faz minha rima ficar mais rara10”), diz (“diga lá, meu coração11”) e não diz (“eu não sei dizer nada por dizer12”), constata (“quem vem pra beira do mar, nunca mais quer voltar13”), transcende (“alma vai além de tudo que o nosso mundo ousa perceber14”).

E isso, a MPB faz sob ritmos e movimentos diversos: samba, pop, baião, mangue-beat, rap, bossa nova, tropicália e o faz também a partir do uso de recursos poéticos ora calcados na oralidade como em Adoniran Barbosa ora calcados na erudição como em Chico Buarque e Aldir Blanc (eruditos mas sem perder o compromisso com os temas populares), ora inventivos e sintonizados com a vanguarda como é o caso de Caetano, ora comprometidos com a cena urbana, que encontramos nas canções de Itamar Assumpção. Meditemos então, caro leitor, sobre o papel da MPB sem medo de dizer MPB porque é o espírito desta nação.

Justificativa: Há muito mais gente pensando MPB há mais tempo e com maior consistência e cientificidade do que eu. O que fiz aqui foi declarar-me seguidora desses mestres. Este texto foi realizado a partir das reflexões feitas em cursos e seminários recentes sobre canção que tenho realizado ao longo de meu envolvimento com música, na ULM, na FFLCH/USP e na UFSCAR. Uma das leituras que indico é o livro “O Charme dessa nação: música popular, discurso e sociedade brasileira, organizado por Nelson Barros da Costa, da Expressão Gráfica e Editora/Fortaleza-CE, 2007”, minha mais recente leitura sobre MPB. Os versos que citei foram extraídos das seguintes canções:

1. Língua, Caetano Veloso; 2. A ponte, Lenine e Lula Queiroga; 3.Chiclete com Banana, Gordurinha e Almira Castilho; 4. As forças da natureza, Paulo César Pinheiro e João Nogueira; 5. Nossa Gente (Avisa lá), Roque Carvalho; 6. Baião, Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira; 7. Baião de Lacan, Guinga e Aldir Blanc; 8. Diário de um detento, Mano Brown e Jocenir; 9. De frente pro crime, João Bosco e Aldir Blanc; 10. Sorte, Celso Fonseca e Ronaldo Bastos; 11. Diga lá, coração, Gonzaguinha; 12. Fala, Luli e Lucina; 13. Quem vem pra beira do mar, Dorival Caymmi; 14.Ãnima, Zé Renato.

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